sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Não quero colocar os pés no chão

Tive uma ótima educação religiosa em casa. Lembro-me que toda noite, antes de dormir, minha mãe nos ensinava que deveríamos orar e lembrar, na presença do Pai, o que aconteceu durante o dia e agradecer.
Por isso, toda vez que deitava, me cobria bem com o cobertor pesado da minha cama e começava minha oração falando: “Obrigado Deus por ter feito isso e aquilo no dia de hoje…” Mas o que me incomodava é que quase nunca chegava ao fim da minha oração, pois ao lembrar do dia me vinha à cabeça as possibilidades de mil outros desdobramentos que podiam ter acontecido naquele dia, outras falas, outros encontros e, quando eu percebia já estava em um outro mundo, no da imaginação e da fantasia, onde era muito real o maravilhoso beijo que nunca tive coragem de dar naquela menina da escola, ou a comemoração do gol que nunca fiz (e na verdade nunca vou fazer), o discurso no estádio que foi aplaudido de pé e que mudou a história de um país.
O pior é que no meio da fantasia lembrava que estava orando, voltava rápido para a oração e falava: “muito obrigado Deus, em nome de Jesus amem”. E tentava retornar ao ponto onde eu tinha deixado a história. Às vezes conseguia, outras, já tinha ficado para trás e não era a mesma coisa, não era mais tão real.
Sempre foi assim na minha vida, nunca consegui ler longos trechos de livros de uma só vez, pois quando chegava na quarta ou quinta página parava e me perguntava o que tinha lido e não sabia mais, pois a minha cabeça já tinha ido longe por alguma faísca que um trecho do texto tinha me dado. Assim era com palestras, musicas e tudo mais.
Tive professores que me repreenderam dizendo que eu era muito avoado e que precisava me concentrar mais no presente, colocar os pés no chão.
Provavelmente eles tinham razão e foi quando comecei a exercitar a minha mente a não mais “viajar” quando lia um texto, ouvia uma palestra, uma música ou fazia uma oração.
Essa idéia veio muito mais forte quando comecei a lidar com a igreja local e descobri que fantasia para os evangélicos era algo ruim, daqueles que fugiam da realidade, uma coisa inútil e fútil, algo perigoso ou até pecaminoso para uma mente de um jovem cristão.
Atualmente, eu escrevo peças para palhaços e sei que o mais marcante em cada uma delas é o fato de saber lidar com a realidade dos problemas humanos sem perder a “graça” de uma boa história, sem perder o lúdico e a fantasia que tínhamos quando ouvíamos histórias quando crianças.
Hoje, em consultas e conversas de bastidores, o que mais os futuros escritores me perguntam é como ter uma mente fértil e criativa para produzir coisas novas e belas.
Minha oração é para que seus professores, seus pais ou suas igrejas não tenham te ensinado que colocar os pés no chão é o único caminho para entender a vida. Que você possa compreender que imaginar é experimentar um pouco mais do céu, das coisas espirituais, imaginar é bom, é benção, é dom de Deus.
Esta é a minha oração, mas não confie muito nela não, pois provavelmente não vou chegar ao fim dessa também… Amém!

Marcos Botelho
Marcos é Missionário da Missão Jovens da Verdade e da SEPAL, fundador e líder do ministério JV na Estrada, Professor da FLAM, fundador do ministério Terra dos Palhaços e pastor de jovens e adolescentes da Ipalpha.

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